do medo

Eu tenho medo
de vida de sorte
de gente buraco
eu tenho medo de buraco
e cavo vida nos rachos

eu tropeço, caio, eu barco
por isso rimo as velas
eu tenho medo de vela
e remo meu preto velho
tendo medo de arca
bebo arco pelas tabelas

porque temo que Noé não me escolha
e tenho muito muito mais medo
que Noé me escolha

tenho medo do silêncio do mundo
 ainda que passe cigarros no modo mudo
como por medo de grito
vivo no beco dos surdos

Dias

dias e dias esfaqueando o medo
à caneta vermelha no caderno Do Projeto
eu tenho medo de ser grande
e de sendo, o que eles achariam?
– quanto a isso
não há remédio
mais eficiente que a bruxaria –

eu tenho crise de cama aos sábados
exasperações estomacais aos domingos
em meses venusianos, karmas cardíacos

mas da morte eu não tenho medo mais não
morte é relógio da vida e por isso acordo cedo
Mas te assumo sem dó que tenho um medo
dia cinza, coroas de flores cambais
endereçadas: meu nome
- Bolachas Maria e café dulcíssimo no velório de Barra Bonita -
eu tenho medo que
nenhunzinho de nada chore
carinho de retribuição
é farelo
- poderia ser para mim
poderia ser para elas -

paixão é isso
hoje cama
amanhã janelas

na falta de alicerce
paixão se vexa mole
se preciso ela sublima
e some

homem é homem

mas se acha entre os bichos
o mais especial
mas homem é homem, carai
homem tem polegar opositor
labirinto na cabeça
muito mito
e glândula pineal

o homem é único
e ninguém é insubstituível
homem dá graças aos meteoros
- mataram os dinos -

homem pediu pra má gramática
pra ser pronome
Zeus decretou: serás uma constelação

 e homem, tendo labirinto
 se perde na imaginação

homem fez vintém
e alguns homens tem
tem tem

homem é tudo o que ele quiser ser
Se trabalhar bastante
será, assim, até Jobs

porque homem era macaco
virar homem foi na base do tutano
tanto que homem que come tutano hoje
é mais homem que outros homens
disse o reclame da Friboi

como homem que é homem 
não reclama
da cor que a geografia pintou na carne
nem debaixo da cama
nem de baixo de outro macho

é, homem gosta de dar o cu
homem que é homem
ele só prende o cocô no cu

homem não chora
homem mata mito
homem imita bicho
homem assovia
pra moça do corpo dourado ao sol de Ipanema

sobre preferências o homem não gosta:
de pernilongo
de temperaturas extremas
de feiticeiras

gosta de bocejo de risada de tirar carrapato da cabeça de outros macacos

homem tem medo:
da maioria dos outros bichos
da morte
da maioria dos outros homens

sobre precisar mesmo homem precisa:
de ar
de água
de comida
homem precisa de comida
precisa precisa

 [ou de uma bela dama
para que seus amigos
 o chamem de corno]

sobre a sequência das coisas:
o homem nasce cresce se reproduz e morre
a mulher nascia mal crescia já se reproduzia ou morria
agora, exceto se


sobre grandeza:
homem é um animal de porte médio
mulher é um sexo frágil

sobre classificação:
homem é hetero homo bi trans
é tudo a mesma coisa

homem faz arte
homem gosta de arte
às vezes homem pode obter comida fazendo arte
mas às vezes não
então o homem trabalha no Banco do Brasil até às 17h
depois faz arte até dar sono
se dá

homem fica feliz quando acham bonito o que ele fez
homem gosta de enfeitar a vida
igual elefante

um homem
enfeita muita gente
e a mulher enfeita
enfeita muito mais

mercadão são carlos

saio do mercadão
na esquina
cumprimento o tio da carriola
grita:
É o show room da goiaba, minha senhora, tá começando a acabar
digo que bonita
ele faz promoção pramocinha
eu rio, não compro
ando com pouco

quero num dia desses
reclamo 2,75 no busão tá demais
coronel mandou dizer
foda se você. Acha pouco.
abafo um Haha das pessoas indignadas
com as putas se beijam se ofertam
na sombra da banca de jornal
revistas de novela

numa tarde sem mais
de bonitezas na esquina
onde chora D. Maria
papel higiênico no nariz
a outra facilita
– É a vida, Maria.
É a vida
Deus dá, Deus tira -
É. A vida. Maria.

que seja perto do córrego
dos mil penduricalhos do camelô
onde S. Zé que compra um
escondido. natural
chá sobe pau
ao lado de D. Nita Contente
dos Santos. sem eles.

quero dar  “boa tarde”  pros velhos
da velha cidade do clima
onde enterraram o córrego
pra enfiar carro parado em cima

daí, seu moço.
às dez pras horas
no centro de São Carlos

a terra se abra
num buraco que me caiba
sem um pingo de caos
e
com catedral carro mínimos banco sinal
o buraco me coma


morrer de buraco não me cairia nada mal






imagem de Marcelo Dakí

Inchadão

Viveno vida
não tem jeito
de vivê vida inteira
vive bem um tico
mai vive direito
se vive mai dessa manera

vivê cum fé, fazê possíve
se for poco, verdadera
pensá no longe faiz difíci
arcançá do buraco a bêra

oiá pro longe, bicho exige
dificurta a caminhada
porisso digo, não se aflige
enfrenta a lida, essa danada

escuitá o galo todo dia
levantá sem embrunhão
purque carpí’uma avinida
có pegano o inchadão

a mulher suja

Eu era uma mulher suja
Citada pelos bits mexeriqueiros
Bits mexeriqueiros dos anos 13
Eu era uma mulher suja má suja má

A mulher suja foi suja ao bar
Pra sair dignamente no livro dos recordes
Como a maior acumuladora de ressacas carentes
Dos anos 13. alguém disse disse que disse disse

Um dia a mulher suja encontrou um homem
Com cabelos grandes e sujos como os cabelos dela
Grandes e sujos, citados pela Cláudia Nova Marie Clair
E a mulher suja achou que ele poderia limpa-la

Mas o homem de cabelos grandes e sujos
Olhava a mulher suja com indiferença de lado
Por que ela era suja e ele era sujo com esperanças
Que uma mulher limpa viesse limpa-lo também

Então a mulher suja tentou que tentou tanto
Fazer o homem sujo ver alguma limpeza nela
Mostrou até atrás da orelha onde ninguém lava
Cheirava sândalo o meio do umbigo dela

[adiantou? não. porra nenhuma.]

Foi daí que não sobrou nada para a mulher suja
Além de chorar dois litros de conhaque e ouvir Odair José
ler todos os poetas sujos.  que igual a ela
 Morriam virgens de amor paixão carinho e fé

Depois disso eu decidi matar a mulher suja

Num banho de sal grosso benjoin alfazema e guiné

e trova

amorosas mangas dou -te
 batem por ti, não as alcança
seus formosos dedos enamoram-se
do finíssimo bastonete branco
Ó charme feminilesco,
ai que moiro por ti!

Respiraria meus sentimentos
Só que não
ares brancos Lhe escapolem pela boca
ares pagãos
Cá já moiro por vós, e - ai!

A rapariga fuma a erva
Flerta paixões da nova era
portais do céu, poliamor
não vê que cá moiro por lhela
Ao contrário, caçoa
 - No mundo non te sei parelha. Careta. Careta.

abriro a goela

Ma é ma é. Agora fritou vídeo. Fritou, falou? Fritou. E foi bem pra inglês ver, vários ângulo e tudo, tá no mundo, já era. No meio da paulista é outra treta. Coisa grande, na cara, diferente de quando rola dessa lá na minha quebrada. Faz tempo que falo, mano, a coisa é bruta, o baguio é loco, só sobrevive escolhido, polícia não sai do pé. Ra tá tá tá pum! Aí vem neguinho chocado. Mano, se liga, não é de hoje que eu aviso, faz tempo que eu falo no meu repente e cê não ouve. Cê capricha na chapinha, blinda seu carro e finge que não vê. Mas faz tempo que é assim que “É”. Tô ligado porque vivo com a metralha na cara, é foda, é tenso. Cê também devia tá. Mas é que nem cinema, povo gosta é de superprodução. Esculhambar com pretinho esfomeado dentro de barraco é fácil. Outra coisa é cinco mil na paulista. Arte pra colar no Masp. Ra tá tá tá pum! Uma coisa é no morro, dentro da delegacia zuando mina estuprada, borrachada em pinheirinho, bomba na cara de professor, em universitário de dread, em calça bege. Outra coisa é aquele porco safado do Datena levando contra ele ao vivo. Aí, gambé, a galera fitou, eu acho é que tava demorando preles acordá. Já era, já era. Abriro a goela. Agora cê viu, mermão? Cê viu? Vai, colarinho, chupa essa manga aí, grita do palanque. Toma cuidado que quando acorda tem gente que dá bom dia e tem gente que quebra a pia. Qual é a próxima mãe que vai chorar?

junho 2013 paulista

uma câmera na mão & internet
por favor
sirva-se!
temos suco denso vermelho
pimenta lacrimogênea
a carne, bem roxa
ao gosto do rei
repressión está na mesa
a preço de custo, bilhões
– superfatura afanada de nós, bien sur -
o troco - 20 cents – dada em bala
pelo direito de ficar à vontade
tire a roupa, pinte paredes
erga um papel bem grande
e cante algo bem alto
aqui pode.
mas cuidado
propagandas por aí
indicam casas de servir
pratos ao gosto freguês
tudo leve leve levinho
mas fique claro:
no restaurante do lado
quem arrota na mesa
fica muito mal falado

a tira colo

em noites de rock and roll, baby
seu meio conhaque ao lado
diz Somebody Loves You
em seu vestido e batom vermelho
que te iguala a Susie Q

então pra apressar
ela se droga
flerta com barbas
a cabeça rebola
mas
estranhamente
- e é tão doloroso –
barbas enrubescem e ignoram
ela que pergunta
Né, conhaque, nós dois tão quentes
Por que não nos querem esses piercings e tatuagens
Tão recatados?
logo ela, tão nos moldes
de ser toda diferentona
em seu neo feminismo anarquista
só queria ser como todos dali
Libertários,
ma non tropo
acompanhada de alguém descolado
a tira colo

depois de

Me perguntei como alguém poderia se lembrar de amor em um banheiro que cheira tão ácido mijo. Eu tive a sorte de esquece-lo, ainda que num desfile de paisagens bonitas. Já estava há muito tempo na estrada quando, no banheiro do posto da estrada de Minas Gerais, tive minha imagem revista num espelho rachado escrito Val Te AMO em batom. A imagem se achegava, usava a declaração de amor vermelha de cortina pra sua apresentação, se procurava por mim, pedia atenção e eu a dei maior que ao mijo. 45 dias sem me ver, um susto. A imagem me olhava de cima, descarada e com olhos de lama de rio. Sem o reparo ao qual o espelho nos induz todo dia, eu aparentava comigo mesma, enfim, e quase não me reconhecia. Cada traço da minha cara se mutava no outro como meus pensamentos se encadeiam com os sentidos. Não que eu os entenda, te digo com limpeza. Me senti até ralé cara a cara com uma imagem assim, tão imponente, cheia de si, de tragar pescadores que se gabam de que pescar no rio é mais difícil porque água doce deixa o corpo pesado e a lama engole pés. Fato que aquela era eu vencendo o Val Te AMO sem dificuldades. Aquela era eu, sim. Mas eu depois de. 

_


bigorna ciência de destino na era quando
tempo não passa em rotação de vênus
mundo passa no F5 da página
, haja truque
olho salino de ler a si no espelho
e no perfil do facebook
que perigo
amorfas manhãs de café preto e solidão tenho vivido
porque um perfil esculpido com trato
é tão mais gostosinho
que a pessoa que paga o pato
mas tenho um consolo
pras noites frias
 - No que você está pensando? -
teclo na janelinha branca
pra que pensem de mim
ces’t la question
quem sabe desses avatares todos
me sobre alguma paixão?