do medo

Eu tenho medo
de vida de sorte
de gente buraco
eu tenho medo de buraco
e cavo vida nos rachos

eu tropeço, caio, eu barco
por isso rimo as velas
eu tenho medo de vela
e remo meu preto velho
tendo medo de arca
bebo arco pelas tabelas

porque temo que Noé não me escolha
e tenho muito muito mais medo
que Noé me escolha

tenho medo do silêncio do mundo
 ainda que passe cigarros no modo mudo
como por medo de grito
vivo no beco dos surdos

Dias

dias e dias esfaqueando o medo
à caneta vermelha no caderno Do Projeto
eu tenho medo de ser grande
e de sendo, o que eles achariam?
– quanto a isso
não há remédio
mais eficiente que a bruxaria –

eu tenho crise de cama aos sábados
exasperações estomacais aos domingos
em meses venusianos, karmas cardíacos

mas da morte eu não tenho medo mais não
morte é relógio da vida e por isso acordo cedo
Mas te assumo sem dó que tenho um medo
dia cinza, coroas de flores cambais
endereçadas: meu nome
- Bolachas Maria e café dulcíssimo no velório de Barra Bonita -
eu tenho medo que
nenhunzinho de nada chore
carinho de retribuição
é farelo
- poderia ser para mim
poderia ser para elas -

paixão é isso
hoje cama
amanhã janelas

na falta de alicerce
paixão se vexa mole
se preciso ela sublima
e some