démodéísmos



Aquela obsessão em mudar de vida já me soa démodé. Vergonhoso falar pela quadragésima vez  da latente vontade de ir pro Recife, trabalhar em um bar de Bogotá, etc etc etc e tal, todos insinuando bocejos no que termino. Uma hora cansa botar fé na falta de fé alheia.Semana passada compus poema furioso para Luzia, bebi cafés e pintei olhos na parede da cozinha. Não comi. Ouvi repetidas vezes essas músicas recomendadas para avolumar a inteligência. Depois li um conto bem alimentado que descrevia tudo o que eu queria dizer. Os olhos da parede acenavam sins, que é preciso mesmo estudar uma técnica pra não parecer uma criança esperneandoDesenho ou música, a professora de educação artística, chatíssima, aconselhou. Prosa é matemática, o que, assumo, nunca foi meu forte – tal como securas e begismos em geral.       Temo ser portadora de utopia crônica igual a um namorado que namorei. Perseguia a fama no teatro sem nunca ter esculpido uma única cena que fosse, ele era o melhor pedreiro de Igarapava. Comum: em vez de a gente fazer o que sabe, quer fazer o que acha bonito. Nos tempos dos sonhos apocalípticos pedi ajuda ao preto velho - Essa coisa de salvá o mundo, aí não dá bão... salvá de quê, se não do cê  memo? Isso sim tem cabimento.A morte, a vertigem na beira do fim das coisas, não se dissipa: se você salva algo do aniquilamento, a força da morte busca outra matéria que vive em estado desacautelado. Eu  planto e faço dar aos montes, não há semente que se ponha latente na minha mão. Mas cultivo esperança de que uma escrita salve a vida de alguém. Insisto palavrear revólveres. Alguém me salvaria? Diria lindo, o melhor, relevantessíssimo? Ou, lendo, vai me matar de vez? Carecer  de aprovação prova que não sirvo para a coisa; então que seja, me matem de vez, não suporto iminências.  Entre beiras e queiras: pavores, isto é a graça. Hoje, além de ansiar a escrita, o Recife depois de trabalhar num bar de Bogotá e as novas do Supremo Tribunal Federal, quem me comove e toma tempo em minhas divagações é Manuel. Que morre de vontade de dar o cu a Lucas mas, por pavor de parecer veadagem, não dá. 

rotina


amarguras de pão com 6 horas
5 dedos
rachados de giz
rango do cachorro
água dos gatos
bom dia, já-te-vi


canto pra samambaia
que murcha
se muda música

cavo branco

Cavo branco e pelos santos arranco o cinto do banco de trás e quem sabe assim quem sabe assim eu me proteja de ser sua filha má. Aquela pela qual seu pânico acena e mima porque sabe que nunca nunca eu digo pra onde minha vida vai. Cravo o branco da real imagem que tenho por vergonha de ser isso. Já faz uma semana a ressaca. Cavo branco azedo da boca  que já está em muita gente à custa de muita chupada e assim me estendo e contamino o mundo da minha praga. Isso de ser sua e ser de todo mundo agora e sempre finjo ser só de uma que me usa como eu também sei usar. Então eu guardo branco mas mal acaba um e já estou a caminho de outro bando desconhecido que parecia não ter cinto se eu não tivesse cavado muito no banco de trás. E o motorista olha o poste que não é de borracha e logo menos uma punheta vai bater. Porque já contam 3 ligações rejeitadas e como eu vou dizer que não sei onde nem sei como nem sei se viva vou chegar?

espera

esperei e deu uma
duas
três cervejas e nada
quatro da manhã murchando

foi que entendi
a fala dos médicos: pare com o álcool
maleita o fígado
os rins
os tecidos
e o coração

já vejo pelos tecidos
vazios na cama
envelhecem

meus 25
cara de 40
ânimo de 6
horas da manhã

serão cobrados

a mulher será cobrada. altas taxas, impagáveis. a mulher será cobrada

e irá para a balada. pra morrer de ansiedade. depois vai chegar em casa. olhar no espelho. se ver borrada. traçará a geladeira. depois se sentirá culpada. e estando muito gorda. por si, mal avaliada.
a mulher será cobrada

então, pra espairecer, a mulher irá pra praia. por não caber no biquíni. na areia, encalhada. ainda será cobrada. pela vó, pela vizinha. será sempre perguntada
- inventará um relacionamento sério. com um cara imaginário - sobre o que, dirão: tome vergonha nessa cara!
a mulher será cobrada

ter um emprego, viajar. se comportar como uma mulher.  - cobrada -. ser bonita muito linda. a mulher será cobrada. ler a vogue, fazer ioga. a mulher será cobrada. boa de cama, de boquete. a mulher será cobrada. mãe, esposa, presidenta. a mulher será cobrada. e sendo mãe, sendo esposa, sendo presidenta
será ainda mais danada. porque a mulher é assim. inapta se não cobrada.

mas ela merece. a mulher. já nasceu dissimulada. desde que ofereceu a maçã a Eva. a cobra danada cobrada

isso não é um pedido de desculpas. acontece isso, ser mulher, ser cobrada. e todos, minas monas manas
são cobrados pra caralho hoje em dia.
mas
O que é que pesa mais: uma tonelada de mulheres cobradas ou uma tonelada de homens cobrados?
(há quilos de cromossomos X em todas as pessoas
.para mais ou para menos.)

Então o que eu digo nessa joça. é que não adianta de nada. sua mãe é uma santinha. sua ex uma vadia. e a mulher será cobrada

do medo

Eu tenho medo
de vida de sorte
de gente buraco
eu tenho medo de buraco
e cavo vida nos rachos

eu tropeço, caio, eu barco
por isso rimo as velas
eu tenho medo de vela
e remo meu preto velho
tendo medo de arca
bebo arco pelas tabelas

porque temo que Noé não me escolha
e tenho muito muito mais medo
que Noé me escolha

tenho medo do silêncio do mundo
 ainda que passe cigarros no modo mudo
como por medo de grito
vivo no beco dos surdos

Dias

dias e dias esfaqueando o medo
à caneta vermelha no caderno Do Projeto
eu tenho medo de ser grande
e de sendo, o que eles achariam?
– quanto a isso
não há remédio
mais eficiente que a bruxaria –

eu tenho crise de cama aos sábados
exasperações estomacais aos domingos
em meses venusianos, karmas cardíacos

mas da morte eu não tenho medo mais não
morte é relógio da vida e por isso acordo cedo
Mas te assumo sem dó que tenho um medo
dia cinza, coroas de flores cambais
endereçadas: meu nome
- Bolachas Maria e café dulcíssimo no velório de Barra Bonita -
eu tenho medo que
nenhunzinho de nada chore
carinho de retribuição
é farelo
- poderia ser para mim
poderia ser para elas -

paixão é isso
hoje cama
amanhã janelas

na falta de alicerce
paixão se vexa mole
se preciso ela sublima
e some